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“Peles Negras, Máscaras Brancas” e a Perspectiva Dialógica de Bakhtin

A obra “Peles Negras, Máscaras Brancas”, de Frantz Fanon, revela uma análise contundente da alienação racial no contexto colonial e pós-colonial, que pode ser interpretada à luz dos conceitos de dialogismo, polifonia e cronotopo, desenvolvidos por Mikhail Bakhtin. Ao explorar a construção da subjetividade do sujeito negro, Fanon constrói um discurso rico e multifacetado que dialoga com múltiplas vozes e perspectivas históricas, culturais e psicológicas.

Dialogismo: Identidade em Tensão

Para Bakhtin, todo discurso é dialogal, ou seja, está em constante interação com outros discursos. Em “Peles Negras, Máscaras Brancas”, Fanon demonstra como a identidade negra é formada em diálogo com os discursos coloniais que a estigmatizam e desumanizam. A máscara branca, usada pelo sujeito negro para se conformar às expectativas eurocêntricas, é uma metáfora da alienação vivida no contexto colonial.

Esse processo é marcado pela internalização de um “outro” que domina o imaginário do colonizado, moldando sua autopercepção e relações sociais. Fanon problematiza essa interação, revelando a tensão entre o desejo de aceitação e a negação da própria identidade. Essa dinâmica dialogal destaca a impossibilidade de um sujeito negro se constituir plenamente sob os termos do colonizador, evidenciando a constante disputa entre vozes internas e externas.

Polifonia: Múltiplas Perspectivas

A obra de Fanon também é profundamente polifônica. Ele incorpora diferentes perspectivas teóricas, como o existencialismo de Sartre, a psicanálise freudiana e o marxismo, criando um discurso multifacetado. Cada uma dessas vozes contribui para um entendimento mais amplo do impacto do racismo na subjetividade negra e no contexto social.

Por exemplo, a psicanálise ajuda a compreender como o racismo afeta o inconsciente, enquanto o existencialismo reflete sobre a liberdade e a responsabilidade do sujeito negro na construção de sua própria identidade. Essa multiplicidade de vozes não se anula, mas se complementa, permitindo que Fanon produza uma análise rica em nuances sobre a opressão e a resistência.

O Cronotopo Colonial

O conceito bakhtiniano de cronotopo – a interação entre tempo e espaço – é central na análise da obra. O espaço colonial é caracterizado pela segregação e pela hierarquia racial, onde o tempo do colonizador é associado ao progresso e à modernidade, enquanto o tempo do colonizado é de estagnação e repetição. Fanon descreve como o sujeito negro é confinado a um espaço simbólico de subalternidade, onde o passado é marcado pela memória da escravidão e o futuro é frequentemente negado.

No entanto, Fanon também sugere a possibilidade de transformação desse cronotopo. Ao denunciar as estruturas opressivas e apontar para a resistência, ele desafia a temporalidade imposta pelo colonialismo, abrindo caminho para um futuro de emancipação.

Alienação e Subversão: O Riso Carnavalesco

Embora trate de temas profundamente traumáticos, Fanon também identifica momentos de subversão na cultura e na linguagem do negro colonizado. Esses momentos podem ser analisados por meio do conceito bakhtiniano de carnavalização, onde as hierarquias estabelecidas são temporariamente invertidas ou desafiadas.

O uso da linguagem pelo sujeito negro, por exemplo, pode subverter o discurso colonial, desafiando as normas impostas. Ao rejeitar a máscara branca e reivindicar sua identidade, o negro transforma o espaço de alienação em um espaço de resistência e criação. Essa dinâmica reflete a possibilidade de reconstrução subjetiva e social, apontando para a superação das condições coloniais.

Sob a ótica de Bakhtin, “Peles Negras, Máscaras Brancas” é uma obra dialogal, onde múltiplas vozes – do colonizador, do colonizado, do teórico e do sujeito alienado – interagem para revelar as tensões e possibilidades na construção da subjetividade negra. A identidade do sujeito negro não é fixa, mas surge em um processo de disputa entre opressão e resistência.

A análise bakhtiniana permite compreender como Fanon articula esse diálogo entre alienação e consciência, construindo uma crítica que transcende o contexto colonial para abordar questões universais sobre poder, subjetividade e transformação. Assim, a obra reafirma o caráter polifônico e dialógico da luta pela emancipação humana.

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