O Brasil, vasto em território e diversidade, é um mosaico de culturas, paisagens e histórias que, muitas vezes, se perdem na homogeneização imposta por narrativas centralizadoras. No entanto, quando jornalistas, principalmente de regiões como o Sudeste, demonstram desconhecimento sobre Rondônia e Roraima, situando erroneamente essas unidades federativas no mapa, estamos diante de algo mais profundo do que um simples erro geográfico. Essa falha reflete uma “cegueira” que lembra o romance de José Saramago, Ensaio sobre a Cegueira, onde a incapacidade de enxergar o outro transcende o literal e revela o descaso e a alienação.
No livro de Saramago, uma epidemia de cegueira branca transforma uma sociedade inteira, expondo não apenas a fragilidade humana, mas também a indiferença e o egoísmo que emergem em situações de caos. O autor utiliza a metáfora da cegueira como crítica ao comportamento humano diante do que não se quer enxergar. Analogamente, a confusão entre Rondônia e Roraima por parte de muitos jornalistas do Sudeste reflete uma “cegueira geográfica” que revela o desinteresse em compreender verdadeiramente o Brasil para além dos grandes centros econômicos e culturais.
Essa situação vai além da falha técnica de um profissional; ela escancara uma visão estreita de país, onde estados das regiões Norte e Nordeste frequentemente são tratados como distantes, exóticos ou periféricos, e não como partes essenciais da federação. Rondônia, com sua rica história ligada à construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré e à sua economia voltada ao agronegócio e à biodiversidade, merece reconhecimento e respeito. O mesmo se aplica a Roraima, estado de fronteira e rico em culturas indígenas e ecossistemas únicos.
Assim como no romance de Saramago, em que os cegos precisam aprender a se orientar em um mundo onde a visão deixou de ser possível, os jornalistas e demais formadores de opinião precisam aprender a reconhecer o Brasil em sua totalidade, ampliando suas perspectivas. A repetição de erros básicos, como confundir os dois estados, é um sintoma da falta de aprofundamento e da perpetuação de estereótipos que ignoram as particularidades de cada região.
Ademais, a confusão entre Rondônia e Roraima também revela o impacto da centralização econômica e cultural. Historicamente, o Sudeste concentra investimentos e recursos, sendo o eixo mais visível do país. Essa centralização cria uma percepção enviesada, onde regiões menos desenvolvidas economicamente ou menos destacadas nos noticiários acabam sendo vistas como uma massa homogênea.
No contexto de Saramago, a cegueira não é apenas física, mas moral. O que impede os jornalistas de corrigirem essa falha é a ausência de interesse em aprender, de investir tempo para compreender as nuances do Norte brasileiro. Essa ignorância reforça a segregação simbólica entre “centro” e “periferia”, marginalizando populações e territórios inteiros.
Para superar essa cegueira, é essencial que o jornalismo assuma sua responsabilidade de educar e informar com precisão. Isso inclui não apenas consultar mapas, mas também estudar a história, a cultura e as contribuições das regiões menos conhecidas. Mais do que uma obrigação técnica, é um ato de justiça social e reconhecimento da riqueza do Brasil em sua totalidade.
Em última análise, a confusão entre Rondônia e Roraima não é apenas um erro geográfico; é um sintoma de um olhar míope sobre o Brasil. Inspirados por Saramago, é hora de abrir os olhos e enxergar o país em sua complexidade, respeitando as singularidades de cada estado. Afinal, conhecer o mapa do próprio país é o mínimo que se espera de quem tem o papel de informar e formar opinião.