A gramática, frequentemente associada ao ensino da língua, é muitas vezes mal compreendida quanto à sua verdadeira função. Dizer que “a gramática não ensina a falar e nem a escrever” pode soar provocativo, mas expressa uma verdade linguística e epistemológica profunda. A linguagem é adquirida de forma natural pelos falantes, enquanto a gramática sistematiza, descreve e organiza o funcionamento dessa língua. Nesse sentido, a gramática não é a origem da linguagem, mas uma reflexão sobre ela. Para compreender essa função, é necessário explorar seus três campos principais: o morfológico, o sintático e o semântico, e vinculá-los à Teoria do Conhecimento.
Campo Morfológico: A Forma das Palavras
O campo morfológico da gramática estuda a estrutura interna das palavras, suas classes e formas. Envolve a identificação de prefixos, sufixos, radicais e desinências. Classifica palavras em categorias como substantivos, verbos, adjetivos, pronomes, entre outras, analisando como elas se formam e variam.
No processo cognitivo, o conhecimento morfológico emerge da experiência linguística acumulada. A criança que ouve com frequência palavras como “menina”, “menininha” ou “meninona” começa a perceber intuitivamente os mecanismos de formação e modificação de palavras. Aqui, o conhecimento empírico, segundo a teoria epistemológica, tem papel fundamental. A gramática, nesse caso, não ensina, mas nomeia e organiza aquilo que o sujeito já vivencia no uso da língua.
Campo Sintático: As Relações entre as Palavras
O campo sintático trata das relações estruturais entre as palavras dentro de uma oração ou entre orações dentro de um período. Estuda como os elementos se organizam para formar sentido, com regras que definem, por exemplo, a ordem dos termos ou a concordância verbal e nominal.
A sintaxe atua como uma espécie de lógica interna da língua. A capacidade de construir frases coerentes e estruturadas surge antes do contato com a terminologia gramatical. A criança diz “o cachorro correu” antes de saber o que é sujeito ou predicado. Esse domínio revela o que os epistemólogos chamam de conhecimento tácito ou implícito, que é anterior à formalização.
A gramática, ao abordar a sintaxe, sistematiza esse conhecimento tácito e o transforma em objeto de estudo. Ela contribui para o conhecimento racional e analítico, que é fundamental para a metacognição — ou seja, a capacidade de refletir sobre o próprio uso da linguagem.
Campo Semântico: A Construção do Sentido
A semântica investiga o significado das palavras, expressões e frases. Vai além da estrutura e forma, buscando compreender como o sentido é construído, interpretado e alterado conforme o contexto.
Esse campo está profundamente relacionado com o conhecimento interpretativo. O ser humano interpreta palavras e frases com base em referências culturais, emocionais, situacionais e cognitivas. A gramática semântica, nesse caso, ajuda a explicitar as possibilidades de sentido, mas não ensina diretamente a compreender, já que a interpretação depende de vivência, contexto e intencionalidade do falante.
A teoria do conhecimento, especialmente nas correntes construtivistas e fenomenológicas, mostra que o significado é construído no sujeito em relação com o mundo. A gramática pode guiar esse processo, mas não o determina.
A Gramática como Instrumento Epistemológico
Quando se afirma que a gramática não ensina a falar nem a escrever, reconhece-se que ela não é origem, mas sim reflexo e instrumento do conhecimento linguístico. Os falantes já dominam a língua — ainda que intuitivamente — antes mesmo de estudarem suas regras.
Sob a perspectiva da Teoria do Conhecimento, o domínio da língua ocorre de forma progressiva, a partir de três formas principais de conhecimento:
1. Empírico (experiência direta com a língua);
2. Tácito ou implícito (saberes não formalizados);
3. Racional ou reflexivo (análise consciente das estruturas).
A gramática opera no terceiro nível: é uma ferramenta de consciência e análise da linguagem. Seu papel é tornar visível o invisível, nomear o que é intuitivo e organizar aquilo que é natural no uso da língua.
A gramática não ensina a falar nem a escrever no sentido de gerar linguagem do zero. O ser humano aprende a língua na interação social e na prática comunicativa cotidiana. A gramática, com seus campos morfológico, sintático e semântico, serve para compreender, refletir e aperfeiçoar o uso da língua.
Na perspectiva da Teoria do Conhecimento, a gramática é um saber reflexivo, que auxilia na consciência linguística e na formação de um sujeito mais crítico e apto a compreender o funcionamento da linguagem — e, por consequência, do pensamento humano.
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